Lula, “obsessão por 2018” e a nossa tragédia

Gabriel Brito, da Redação

Wla­dimir, Paula, Juca, Tra­jano e Só­crates; uma linda imagem de quando os so­nhos ainda es­tavam em pé
José Tra­jano é um dos mais re­le­vantes jor­na­listas da his­tória do país, oriundo de re­da­ções cujo am­bi­ente de cri­a­ti­vi­dade e efer­ves­cência não existem mais, por ra­zões que não cabem dis­cutir neste texto. De­mi­tido de sua pró­pria cria, a ESPN Brasil, que em seu auge foi re­fe­rência de jor­na­lismo es­por­tivo crí­tico e con­tes­tador, vive aos 70 anos aquela fase na qual os bons amigos e con­versas estão acima de ne­ces­si­dades de afir­mação pro­fis­si­onal.

Mente in­quieta e ativa, con­tinua in­te­res­sado em pro­jetos e boas ideias, não à toa toca um pro­grama na we­brádio Cen­tral3, gravou uma série de en­tre­vistas no Rio de Ja­neiro que em breve es­tará na tela do Canal Brasil e usa sua pró­pria sala de estar para en­tre­vistas se­ma­nais. Nesta quinta, re­cebeu nin­guém menos que o ex-pre­si­dente Luiz Inácio Lula da Silva, em en­tre­vista de duas horas de du­ração que pra­ti­ca­mente tomou conta do de­bate pú­blico nas horas e dias que se se­guem.

Ao lado de Juca Kfouri, ainda nos ca­nais ESPN e de longa tra­je­tória na mídia es­por­tiva, An­tero Greco, também co­men­ta­rista da emis­sora e editor de Es­portes do Es­tadão, e do mú­sico Car­li­nhos Ver­gueiro, pro­pi­ci­aram uma con­versa que acabou por trazer im­por­tantes ele­mentos. Di­reto ao ponto, Lula fi­nal­mente re­velou: “minha ob­sessão é 2018, quero voltar lá e mos­trar que posso fazer me­lhor que eles”. 

Mer­gu­lhadas em torpor e his­teria, as redes so­ciais e a mídia que cada vez mais se pauta em tais pla­ta­formas vir­tuais sim­ples­mente dei­xaram passar a mais im­por­tante frase de toda a con­versa, que de modo geral foi um agra­dável e des­con­traído papo entre amigos de longa data.

Im­por­tante con­tex­tu­a­lizar o am­bi­ente, pois os en­vol­vidos não têm a pre­tensão de do­minar o de­bate po­lí­tico e le­vantar esta ou aquela ban­deira em função de um de­ter­mi­nado ob­je­tivo. Uma se­mana após sua con­de­nação por Sérgio Moro, no caso do trí­plex que teria ga­nhado in­de­vi­da­mente da OAS, a con­versa teve es­teio na re­lação fra­terna e en­contro de ve­lhos par­ceiros, não algum tipo de raio-x da his­tória re­cente do Brasil e seus pontos mais ne­vrál­gicos.

Ao que in­te­ressa

Feita a pon­de­ração, uma con­versa pú­blica com o maior per­so­nagem po­lí­tico do país não po­deria passar em branco. E di­ante da apro­vação da Re­forma Tra­ba­lhista do go­verno mais de­sa­pro­vado da his­tória, ante imensa apatia dos re­pre­sen­tantes do mundo do tra­balho, al­gumas evi­dên­cias pu­lulam em nossa frente.

“O PT errou. Antes a gente vendia coisas pra ar­re­cadar, fazer cam­panha. Nas­cemos pra isso. Não es­queço quando re­cu­samos um co­mício por causa de um chur­rasco”, contou, quando ques­ti­o­nado por Juca Kfouri a res­peito dos pos­sí­veis des­ca­mi­nhos da le­genda.

No en­tanto, logo a se­guir viria o des­men­tido do pró­prio Lula, por sinal já re­fe­ren­dado no re­cente Con­gresso do par­tido. “Ob­vi­a­mente, o PT errou de aceitar o jogo de fazer cam­panha nos moldes dos ou­tros. Mas é 10% do que dizem que co­meteu. A con­de­nação do Dirceu (no Men­salão) é um exemplo. O voto do Lewan­dowskyy ex­plica isso. A te­oria do do­mínio do fato é a au­sência de provas, basta acusar”, com­pletou.

Num pobre, porém fácil, pa­ra­lelo com ou­tros mo­mentos his­tó­ricos, Lula disse que “o PT sabe que a so­ci­e­dade está cor­reta em co­brar o par­tido. Mas ela também sabe que não fez nada de di­fe­rente do que his­to­ri­ca­mente se fez! Essa gente nunca foi mais ho­nesta, matou o Ge­túlio, fez de tudo contra o JK e levou o Jango”.

Longe de dis­cutir cada con­texto e os mo­delos de de­sen­vol­vi­mento que se an­ta­go­ni­zavam, Lula apenas in­veste no re­forço da nar­ra­tiva “nós contra eles”, a fal­si­ficar o atual con­texto de luta de classes no Brasil (termo se­quer rei­vin­di­cado nas aná­lises do par­tido) e, como já ates­tara o fi­ló­sofo ita­liano An­tonio Negri em “de­cep­ci­o­nante” vi­sita ao país, apenas reduz os grandes em­bates ao jogo par­la­mentar e elei­toral, “por cima”, como se diz de nossas tra­di­ções.

“Trun­caram de novo a de­mo­cracia. E agora querem truncar a pos­si­bi­li­dade de o PT voltar. Os erros são ver­da­deiros, mas eles querem é evitar a chance de vol­tarmos. Basta ver as pes­quisas pra ver quem é o pre­fe­rido das pes­soas. Foram 51 capas de re­vista ten­tando me apagar da his­tória do país. Mas tem algo onde eles não chegam: minha li­gação es­treita e um­bi­lical com o mundo do tra­balho. E as pes­soas sabem como se mudou esse país”, re­forçou.

A con­versa desta quinta

A falsa (e exau­rida) po­la­ri­zação

No­va­mente, o velho jo­guete a vender a di­co­tomia es­querda x di­reita (cuja cru­el­dade seria im­pre­vista), sem ex­plicar, por exemplo, porque nunca se in­vestiu se­ri­a­mente na cri­ação de uma mídia de massa que con­tra­pu­sesse o dis­curso li­beral do­mi­nante, a co­lo­nizar mentes e co­ra­ções e fazer inú­meros tra­ba­lha­dores pre­ca­ri­zados con­cor­darem com o des­monte de sua le­gis­lação pro­te­tiva. 

Em li­nhas ge­rais, a con­versa per­mitiu a Lula tra­ba­lhar com seu per­so­nagem, mestre em contar boas his­tó­rias e fazer as pes­soas rirem.

“A van­tagem de en­tre­vistas longas, só entre ho­mens e in­formal (e, por­tanto, na ‘zona de con­forto da ca­ma­ra­dagem’), é jus­ta­mente re­velar a pessoa além do mito que vão for­mando sobre ela. E Lula é sim­ples­mente um con­for­mado e re­sig­nado po­lí­tico tra­di­ci­onal, dentro do jogo po­lí­tico tra­di­ci­onal, fa­zendo as coisas como sempre foram feitas no Brasil. É isso aí que está na en­tre­vista, al­guém cujo mito es­conde uma certa di­mensão pa­té­tica, uma certa con­ti­nu­ação no es­tado de vivo após de­sistir da vida, ou seja, con­ti­nuar na po­lí­tica após não acre­ditar mais em mu­danças. Lula foi, há muito tempo, pe­e­me­de­bi­zado. O lu­lismo, hoje, é o local onde os an­seios de mu­dança da so­ci­e­dade vão quando re­sol­veram morrer”, co­mentou o ad­vo­gado Caio Al­mendra, mi­li­tante do PSOL-RJ.

Fa­lando no par­tido nas­cido em 2004 e re­for­çado pela ex­pulsão dos “anti-men­sa­leiros” de 2005, Lula passou fortes re­cibos, que re­velam aquilo que de­fen­demos há anos: o PT e seu sé­quito agem com rancor e res­sen­ti­mento de todos aqueles que se co­locam à sua es­querda. Seja o PSOL, o MPL, os sem tetos ou quem mais “ousar”. A ver­dade é que o par­tido gasta mais ener­gias em com­bater o sur­gi­mento de novas forças an­ti­ca­pi­ta­listas do que, por exemplo, barrar as re­formas de Temer.

É por isso que, ainda de acordo com Negri, pre­feriu a re­pressão ao diá­logo frente às ma­ni­fes­ta­ções de 2013, o que de resto apenas es­can­carou o par­tido como uma cor­po­ração mais ade­quada à con­quista de cargos e car­reiras cô­modas do que lutas an­tis­sis­tê­micas e re­al­mente ali­adas da po­pu­lação pre­ca­ri­zada e de novo em­po­bre­cida.

Afinal, se de um lado Lula la­menta o vo­lun­ta­rismo de quem o acusa sem provas, por outro es­quece que as má­quinas po­lí­ticas fieis a ele usam e abusam das men­tiras e di­fa­ma­ções contra os incô­modos crí­ticos. Seus apelos por uni­dade não passam de ar­ma­di­lhas uti­li­ta­ristas, pois no chão das lutas so­ciais es­garçam e ar­re­bentam quais­quer afi­ni­dades pos­sí­veis.

“De­pois do power­point do Dal­lagnol, vimos que a fan­tasia vira ver­dade na mão da im­prensa. Eu gosto da Globo, pena que ela mente muito. Pelo amor de deus PF, apre­senta uma prova, um pe­daço de papel qual­quer! Pas­saram anos di­zendo que meu filho era dono da Friboi. Agora po­diam ter feito al­guma per­gunta pro Jo­esley: ‘o filho do Lula é seu sócio?’ Mas não que­riam ouvir o não. O país não com­porta essa quan­ti­dade de men­tiras. O povo e o país não me­recem”, atacou, com toda a razão.

No en­tanto, como lembra o edu­cador Silvio Pe­drosa, co­la­bo­rador da Uninô­made, “o sen­sa­ci­onal mesmo é ver a mi­li­tância da in­ternet, o pró­prio reino do lin­cha­mento, ficar dias se con­tor­cendo porque al­guém foi ‘con­de­nado sem provas’. Ra­pa­ziada que ar­rasa com a vida das pes­soas por um de­poi­mento en­vi­e­sado ou um print des­con­tex­tu­a­li­zado fa­lando em ‘prova cir­cuns­tan­cial’. Que piada”.

Provas?

Afinal, em tempos de Wi­ki­leaks e Edward Snowden, não veio à tona ne­nhuma re­ve­lação de que de fato os ma­ni­festos de 2013 ti­veram “apoio da CIA”, assim como as crí­ticas dos am­bi­en­ta­listas contra as usinas na Amazônia não se pro­varam vin­cu­ladas a “ONGs a ser­viço do im­pe­ri­a­lismo”, como bradam os cada vez mais idi­o­ti­zados apoi­a­dores do PT e suas pen­satas con­ta­mi­nadas de falsos prag­ma­tismo e sa­ga­ci­dade po­lí­tica.

“Mas é um ab­surdo con­de­narem o Lula e dei­xarem o Aécio e o Temer li­vres... Ab­surdo foi terem achado, ao longo de 13 anos, que, por agra­darem a grande bur­guesia bra­si­leira, po­de­riam ser tra­tados com a mesma con­des­cen­dência com que são tra­tados os po­lí­ticos de di­reita”, iro­nizou Gus­tavo Gindre, ser­vidor pú­blico e co­nhe­cido es­tu­dioso das co­mu­ni­ca­ções, mais um da­queles que tra­ba­lhou anos a fio por uma de­mo­cra­ti­zação da mídia ja­mais ten­tada, por me­lhores que al­guns sejam em bra­va­tear contra “a ma­ni­pu­lação da Globo”.

“O Brasil con­se­guiu o ini­ma­gi­nável. A con­de­nação de Lula ao lado da isenção de culpa de Aécio Neves e a pos­sível isenção de Mi­chel Temer con­se­guiu des­mo­ra­lizar o maior sis­tema de com­bate à cor­rupção. Para mim, Lula é cul­pado! Ele não é o ‘chefe da maior or­ga­ni­zação cri­mi­nosa’ do país. Sua culpa foi trair seu elei­to­rado e con­vidar ‘a maior or­ga­ni­zação cri­mi­nosa’ a par­ti­cipar de seu go­verno. A ruína é des­co­munal! O Brasil nunca teve uma opor­tu­ni­dade tão grande de se li­vrar desses no­tó­rios cor­ruptos quanto no pe­ríodo Lula”, con­tex­tu­a­lizou Ro­berto D’Araujo, ex-di­retor da Ele­tro­brás, outro per­so­nagem que, apesar de menos fa­moso, ren­deria horas de en­tre­vistas in­te­res­san­tís­simas sobre al­gumas op­ções his­tó­ricas do PT e seu grande líder.

“A des­le­al­dade com a es­pe­rança que ele re­pre­sen­tava foi re­pe­tida ao es­co­lher uma pessoa des­qua­li­fi­cada para su­cedê-lo. O re­sul­tado está no ani­qui­la­mento de ins­ti­tui­ções es­ta­tais que, agora, são um pre­sente para a classe po­lí­tica par­ti­ci­pante de seu go­verno e que nunca teve planos para o país a não ser vender tudo”, com­pletou D’Araujo, já ata­cando Dilma Rous­seff, nome que causa pro­fundo des­prezo em todos os que cons­truíram o an­tigo pro­grama de de­sen­vol­vi­mento ener­gé­tico do PT. Este, foi ati­rado na lata do lixo em nome da con­cessão de todo o setor a Sarney e seus ope­ra­dores, Edison Lobão à ca­beça, como can­saram de alertar ele, Ildo Sauer, Luiz Pin­guelli Rosa, Célio Ber­mann e ou­tros que não mitam nem la­cram.
Con­clu­sões fi­nais?

E en­quanto Lula trans­for­mava a tra­gédia his­tó­rica em piada (“a Globo não pode sair da men­tira da Lava Jato, pelos pactos que têm e porque a Lava Jato já faz parte da grade do canal. Então de­cidi que perder o Pal­meiras x Co­rinthians eu não iria. Abri whisky, com­prei sal­ga­di­nhos e me de­leitei com a vi­tória do Co­rinthians. Eu re­al­mente tava mais pre­o­cu­pado com o jogo”), in­sis­timos em sair da de­mência co­le­tiva das redes so­ciais e suas dis­cus­sões cada vez mais res­tritas a um lusco-fusco inútil.

“Estes dois ar­gu­mentos são reais. A Lava Jato tem sido uti­li­zada como ins­tru­mento dos in­te­resses de uma fração bur­guesa do­mi­nante no país. Mas, exa­ta­mente por isso, Lula co­mete um erro muito grande ao dizer que con­tinua con­fi­ando na Po­lícia Fe­deral, na jus­tiça e nas ins­ti­tui­ções. A jus­tiça tem lado e se move de acordo com os in­te­resses de classe. A Lava Jato e ne­nhuma ins­ti­tuição me­rece qual­quer tipo de con­fi­ança. Lula já de­veria ter apren­dido sobre isso, mas pa­rece que nem sob a mira da con­de­nação rompe com seu es­pí­rito con­ci­li­ador. É im­pres­si­o­nante como Lula não uti­liza em ne­nhum mo­mento em seu dis­curso o apelo à mo­bi­li­zação po­pular para der­rotar o pro­jeto gol­pista que acabou de aprovar uma Re­forma Tra­ba­lhista que varreu com os in­te­resses his­tó­ricos dos tra­ba­lha­dores”, co­mentou Silvia Fer­raro, pro­fes­sora, fe­mi­nista e co­or­de­na­dora do MAIS (Mo­vi­mento por uma Al­ter­na­tiva In­de­pen­dente e So­ci­a­lista).

A crí­tica é crua e dura, pois, afinal, após uma greve ina­cre­di­ta­vel­mente sa­bo­tada pelas cen­trais sin­di­cais, se­guiu-se uma nula re­sis­tência à tra­mi­tação e apro­vação da Re­forma Tra­ba­lhista. De outro lado, al­guns mi­lhares sur­pre­en­deram as ex­pec­ta­tivas e to­maram a Ave­nida Pau­lista em ato de de­sa­gravo a Lula ante a con­de­nação de Moro.

Tudo pelo mito. E pelo tão acla­mado povo sob re­corde de de­sem­prego?
“Mo­bi­li­zação foi o que faltou às ruas na greve do dia 30 de junho e que se ti­vesse exis­tido po­deria ter dado outra cor­re­lação de forças para der­rotar Temer e as Re­formas. É la­men­tável que Lula diga que não quer dar um ‘golpe’ no Temer. Não é pos­sível dar golpe em quem está no poder fruto do golpe. Temer tem de cair pela força da mo­bi­li­zação po­pular. Lula pa­rece não querer este ca­minho, pre­fere lançar sua can­di­da­tura e ficar es­pe­rando 2018”, acres­centou Fer­raro.

Como dito, es­tamos di­ante de uma dita es­querda cada dia mais im­be­ci­li­zada e fa­na­ti­zada pela fé no oculto, de modo que mais este ar­tigo será ava­liado como “a ser­viço da di­reita”. “Re­pu­di­amos a di­reita as­que­rosa com seu pre­con­ceito de classe que co­me­morou a con­de­nação de Lula tra­jando uma ca­mi­seta as­si­nada pelo MBL, es­tam­pando os dedos da mão de Lula. Assim como re­pu­di­amos a ope­ração Lava Jato que está a ser­viço do pro­jeto po­lí­tico do poder econô­mico”, di­zemos Silvia Fer­raro e nós, deste que é o mais an­tigo vei­culo “al­ter­na­tivo” de mídia no país ainda em ati­vi­dade.

Di­ante de toda a pros­tração que paira, fi­na­li­zamos com a afir­mação de Ri­chard Bourne, bió­grafo in­glês do pre­si­dente, em ma­téria do Portal R7. “Lula é cer­ta­mente al­guém vai­doso e isso pi­orou com o passar do tempo. Uma das pi­ores coisas da morte de Ma­risa é que não há mais uma pessoa para de­sin­flar um pouco essa vai­dade e mostrá-lo o que de­veria estar fa­zendo. Ele de­veria ter pen­sado me­lhor em ou­tras ma­neiras de usar seu ca­pital po­lí­tico em favor do país (após deixar o poder)”.



Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

Bananeiras Atual com Correio da Cidadania

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